Sombra e Luz ⥁ Shadow and Light

Ludmila Queirós ✳

Sombra e Luz ⥁ Shadow and Light

Ludmila Queirós ✳

Fotografia
Sinopse
A partir do Livro “Cinza” de Rosa Oliveira e da sua alusão/inspiração musical (indicada pela própria) foi escolhido um Poema “Odara” que em conjunto com a Música “Odara” de Caetano Veloso foram o ponto de partida para este mundo de imagens. “O.Dar.A” é um Ensaio Fotográfico que pretende sentir. É dar Corpo a Imagens que se metamorfoseiam com o ritmo das palavras e sons, criando (pretendendo criar) um novo vocabulário “Como se fosse uma pontada nas costas”. Neste projecto haverá a colaboração do Músico Paulo Bastos, cuja interpretação desta música (“Odara” de Caetano Veloso), e respectiva performance estará ligada à apresentação deste ensaio fotográfico.
[“odara
Em Pompeia tropecei num fio
Plástico e duro como o tempo perdido
Volátil e neutro, aviso de intempérie
Ah, a comparação há-de perder-te

40 graus à sombra sem sombra possível
Poeira e vento
Lixo e secura
um colar de limonada entre o comboio e o circo
vertigem íntima
quase sexual

impossível regressar a Nápoles de barco
no funicular olham intensamente
a minha cara congestionada de lava seca
sangro uma pasta vermelha coberta de cinza
os bebés emparedados
as fotos do invisível
respiração suspensa desde o meio-dia

o sol declina no fresco da colina verde
a poeira ficou para trás
dentro de mim
há dois mil anos que se afunda na pele
mal pisamos o solo atordoado de Pompeia
e tropeçamos num fio

em Pompeia tropeço e emudeço
não há nada a pedir
não há água, nem guias
cada um força o olhar
um pouco adiante
o Vesúvio
único lugar habitável
paradoxo vulcânico
na sua lógica introspectiva
em Pompeia tropecei no tempo
havia um fio perdido no ar tórrido
o comboio atravessa o lixo
o asfalto cortou-me à chegada
só uma americana diz “can I help you?”
os vendedores de limão viram costas ao sol

em Pompeia as ruas estão limpas
um bar de tapas chega da antiguidade
trazido pelo vento áspero
flutua na melancolia

uma alegria intermitente paira
entre os visitantes mudos
um pouco ébrios
de inalar esta natureza lávica

os oscos sentaram aqui os rabos primitivos
em plena luz crua
mais tarde finou-se a liga dos cidadãos preocupados
viviam no luxo no ócio no cio no álcool
à sombra da declinação dos séculos por vir

os gladiadores desfilam interminavelmente
pela via dell’abbondanza
na calçada irregular e agreste

os objectos falsamente abandonados
parecem exigir tanta atenção
como o rosto de alguém que acabou de morrer

deixa eu cantar para o mundo ficar odara
dizia o poeta trágico
mas ficou apenas cave cane

queixava-se da falta de vocabulário como se fosse uma pontada nas costas”

Rosa oliveira in “Cinza”]
[“Deixa eu dançar / pro meu corpo ficar odara / Minha cara minha cuca ficar odara / Deixa eu cantar que é pro mundo ficar odara / Pra ficar tudo jóia rara / Qualquer coisa que se sonhara / Canto e danço que dará” 
Caetano Veloso , “Odara”]
28.11.2015 e 29.11.2015 | "Letra Z" - Exposição/Ocupação Colectiva na Casa da Carqueja e Casa de Sub-Ripas, Coimbra.

+ info sobre a exposição/ocupação:
"Letra Z - convite
Os Pescadas com Rosa Oliveira, no Beco da Carqueja nº 12 e na Rua de Sobre Ribas nº 14, em Coimbra, sábado, 28 de Novembro (e também a 29).
O livro Cinza, de Rosa Oliveira, com que a Tinta-da-China inaugurou a colecção de poesia dirigida por Pedro Mexia, é o tema escolhido pelo Grupo Pescada nº 5, para a exposição deste fim-de-semana, 28 e 29 de novembro.
Cinza é um conjunto de poemas em tom anti elegíaco, com um hipertexto referencial de alguma da literatura, cinema e música que atravessou as últimas décadas.
“Agora que morremos / a vida pode enfim recomeçar”, lê-se num poema. Esse foi o momento em que Rosa Oliveira se sentiu livre para poder falar dos seus mortos-vivos. Longamente, como nos poemas distendidos de Ruy Belo, ou de forma breve e sarcástica como Sena ou O’Neill. Mas sempre com a sua marca que, uma vez lida a torna imediatamente reconhecível: uma atenção especial às ínfimas coisas, torcendo-as, como faz com as palavras, descobrindo-lhes novos significados, ligações pouco habituais.
As 90 páginas do livro vão ser assim revisitadas em total liberdade, sábado, a partir das 15:00 e até às 24:55, em ambas as casas, e domingo apenas das 15:00 às 20:00.
Na casa de Sobre Ribas concentram-se cerca de duas dezenas de trabalhos, sobretudo fotografia, mas também instalação e decorre uma performance durante toda a tarde.
Na casa do Beco de Carqueja, a partir das 21:30, haverá um mestre de cerimónias que guiará os percursos por uma escrita alcoólica que tanto nos tem perdido."

Texto de Luís Januário